mais sobre mim

 



Cada uma das técnicas que utilizo nos meus atendimentos possui uma história, e contar essa história permite que vocês conheçam um pouco sobre a minha formação e como foram desenvolvidas essas técnicas dentro da minha área de atuação como fisioterapeuta.

Há mais de 30 anos que eu atendo pacientes que receberam tratamento de câncer de mama, isso bem antes de ser fisioterapeuta, no início dos anos 90, quando eu ainda trabalhava como esteticista acupunturista na capital do Rio de Janeiro em uma clínica de cuidados para mulher. Naquela época comecei a receber, com uma certa frequência, pacientes com queixas de dor e linfedema de membro superior, consequências do tratamento oncológico, provenientes da cirurgia de retirada da mama e da radioterapia. Naquela época eu achava que a minha formação técnica não era suficiente para atender essas pacientes, e isso me incomodava, apesar de obter resultados positivos, tão positivos que na clínica não me faltavam indicações. Eu tinha plena convicção da necessidade de conhecimento profundo.  

A vida seguia seu rumo, e a minha vontade de saber mais era compartilhada com uma amiga e colega de profissão, Rita de Cássia. Rita queria saber mais sobre os efeitos do ultrassom nos tratamentos estéticos, ela queria muito entender como se processavam no corpo os efeitos do ultrassom e se sentia muito incomodada por não ter respostas.

O tempo passou e em um belo dia Rita de Cássia, feliz feito criança com seu doce favorito, folheava freneticamente a encadernação de um livro, veio em minha direção e disse: "olha o que eu tenho aqui”. Rita havia conseguido a xérox do livro “Fisioterapia em Estética – fundamentos, recursos e patologia de Elaine Guirro e Rinaldo Guirro"  Não lembro como ela conseguiu, mas lembro que imediatamente fiz uma cópia pra mim, sei que não é legal fazer isso, mas quem nunca copiou livro na vida que atire a primeira pedra. Estávamos com nosso primeiro contato com os fundamentos fisiológicos de alguns tratamentos estéticos. Sobre minha amiga Rita de Cássia, depois de tantas mudanças em nossas vidas, acabei perdendo o contato. Espero que esse artigo chegue até ela.

A partir deste momento obtive a informação necessária que me direcionava para a área da saúde que seria, na minha concepção, a porta para o conhecimento aprofundado que eu tanto desejava. Assim, a área da fisioterapia não saia da minha mente.  Busquei informações sobre fisioterapia, lia toda publicação sobre fisioterapia que conseguia, passei a sonhar em estudar anatomia e fisiologia, entender o funcionamento dos sistemas corporais desde a anatomia, mas tive que cair na real, pois morando em Petrópolis e trabalhando na capital Rio de Janeiro, era um empecilho e o sonho da faculdade de fisioterapia foi esquecido.

Uma década depois, no início dos anos 2000, mais precisamente em 2001, fui chamada para trabalhar em Petrópolis, além de ser a cidade em que resido, Petrópolis é a sede de uma das melhores Universidades de Fisioterapia do Brasil, a Universidade Católica de Petrópolis, mas eu até já havia deixado o sonho de ser fisioterapeuta.

Nesta época, ano 2001, iniciei minha carreira em Petrópolis do zero, minha filha era pequena, e tudo no início é difícil, e por isso o sonho de cursar fisioterapia ficou esquecido, não passava mais pela minha cabeça, além do mais, como trabalhar e estudar fisioterapia, um curso integral, como poderia ficar na profissão e estudar? Como custear um curso tão longo? Como conciliaria a maternidade, o trabalho e o estudo da fisioterapia?

A história muda quando Deus não me deixou esquecer da minha missão com a fisioterapia, já trabalhando em Petrópolis, Deus passou a enviar várias clientes, muitas e muitas, entre essas clientes havia algumas que trabalhavam na Universidade Católica Petrópolis, e o incentivo delas foi tanto, tanto, que um belo dia, mais precisamente final de maio de 2002, resolvi que iria pelo menos conhecer as instalações da Universidade. O Campus da Universidade Católica de Petrópolis, sede do curso de Fisioterapia, é também a sede do Relógio das Flores de Petrópolis RJ. 

 

O Relógio das Flores no Campus de fisioterapia da Universidade católica de Petrópolis

As informações passadas pela secretaria da Universidade mostravam que seria possível conciliar os horários de trabalho, pois o curso de Fisioterapia naquela época era integral, e por isso havia horários vagos entre aulas que daria para eu trabalhar, possibilitando agendamento de clientes. Visualizei a oportunidade, até mesmo o local em que eu estava trabalhando era perto do Campus, estava ganhando bem, era dona da minha agenda, assim eu poderia conciliar meus atendimentos com a Universidade.

Havia só mais uma questão: era preciso passar no vestibular, e eu 20 anos fora da escola, como conseguiria? A partir daí uma série de sentimentos começaram a surgir, mas para que eu não esquecesse a minha missão de vida, uma noite assistindo TV passou o anúncio do vestibular de inverno da Universidade Católica de Petrópolis, e junto a esse anúncio veio a força Divina em meu coração, a força da determinação, e no dia seguinte fui até o campus e me inscrevi no vestibular para fisioterapia. Era junho de 2002, precisava estudar muito, pois a prova seria no mês seguinte.

A força Divina veio sobre mim, fortaleceu minha força de vontade, minha determinação e a minha coragem. Superei medo e a dúvida, sentimentos que na maioria das vezes estão presentes em nossas vidas, e que podem nos tirar sonhos e impedir que alcancemos nossos objetivos.

Tive um pouco mais de um mês para me preparar, mas fui preparada por Deus, sim, foi Ele, o meu Divino Mestre que preparou a aluna Mercedes. Passei de primeira, no único vestibular que fiz na vida, passei em 22° lugar e iniciei a faculdade de fisioterapia em 05 de agosto de 2002. A sensação? INESQUECÍVEL!

Esta parte da minha história a seguir, vem de encontro a profissão que eu exercia antes e durante minha formação acadêmica e que a partir desta, pude fundamentar minha profissão como tanto desejava.  

Durante a minha formação em fisioterapia, de 05 de agosto de 2002 a 24 de julho de 2006, tive oportunidade de ser aluna da professora Elisângela Pedrosa Moreira Ribeiro, professora de Fisioterapia em Oncologia, grade curricular da formação do curso fisioterapia. Esta maravilhosa professora, em apenas um período fez uma revolução na minha vida acadêmica e como consequência passaria a fazer a revolução na vida de minhas pacientes. Durante as aulas de fisioterapia em oncologia, a professora Elizangela Pedrosa nos preparava com seu conhecimento sobre a oncologia, teórico e prático, seu amor, sua dedicação e comprometimento eram inspiradores. Suas aulas práticas me apontaram o caminho, abrindo minha mente e apurando a minha percepção da anatomia nas pontas dos dedos das minhas mãos. Graças a minha formação em fisioterapia e a minha estimada professora de fisioterapia em oncologia, professora Elizangela Pedrosa, passei a utilizar com segurança a técnica de drenagem linfática em pacientes mastectomizadas. Foi nesta época, ainda como professora de oncologia na Universidade Católica de Petrópolis, que a professora Elizangela Pedrosa passou em primeiro lugar no concurso para o INCA, o Instituto Nacional do Câncer.

Durante a minha formação, eu já visualizava um futuro de estudo e dedicação e vice-versa. Nada melhor do estudar e praticar, praticar e estudar, e considero infeliz aquele que acha que já aprendeu tudo, que sabe tudo. Ainda na Universidade, os alunos foram levados ao estágio curricular no Centro de Saúde Coletiva de Petrópolis pela professora Marília Isabel Winter H. Leon, durante este estágio curricular eu atendia pacientes mastectomizadas sob sua supervisão.  

Nesta época, já com uma visão mais refinada em saúde, aprendia mais e mais que ao tratar pacientes tratamos além de suas sequelas. No meu último período da graduação, estagiando na na Clínica Escola de Fisioterapia, ganhei três pacientes que haviam passado pela mastectomia, precisava atender as três ao mesmo tempo, e eu não tinha um horário com cada uma, eu tinha apenas 40 minutos para atender as três. Vou chamá-las de Maria, Clara e Ana (nomes fictícios).

As pacientes eram bem diferentes, lógico, não há ninguém igual a ninguém em todo mundo, mas todas participavam ativamente, todas se empenhavam e não dava para perceber se alguma delas estava ou não insatisfeita com o tratamento que eu ministrava para esse grupo. Falei sobre uma de cada vez:  Maria, paciente que o marido raspou o próprio cabelo, uma forma de compartilhar com a ela parte do sofrimento, era a paciente que tinha a facilidade de sorrir; Clara também parecia evoluir bem, sorridente e prestativa, mas havia a paciente Ana, esta havia perdido as duas mamas de forma radical, pouco falava, apesar de participativa durante as sessões.

Eu as colocava para fazer exercícios específicos e havia combinado que a cada sessão eu faria uma terapia manipulativa, associação da mobilização musculo articular (a liberação miofascial atual) e drenagem linfática em uma delas. Eu ensinada os exercícios, duas ficavam praticando enquanto eu fazia o atendimento individualizado em uma delas. Era assim, íamos intercalando até que todas recebiam a manipulação igualmente.

Eu já havia terminado todos os compromissos na faculdade, até o TCC já havia defendido, restando apenas o finalzinho dos estágios no hospital e na clínica escola, quando um determinado dia, no atendimento das pacientes das sequelas do tratamento do câncer de mama,  só duas apareceram, a terceira paciente, Ana, que tinha mastectomia radical bilateral, não compareceu. Vida que segue, iniciei então o atendimento com Maria e Clara e no final deste atendimento Ana surge de repente gritando o meu nome, descontrolada arrancou a blusa, parecia embriagada,  expos seu tórax nu, vindo em nossa direção parou e disse em alto tom: “Coitada da Mercedes, aí fazendo isso com a gente, essa fisioterapia que não adianta de nada, nada, nada, quando retiram uma parte de nós, não adianta mais nada...Pobre Mercedes, se esforçando à toa, tola, boba, isso não resolve nada”... Que cena terrível havíamos presenciado, inacreditável. Quanta dor em uma única mulher.

A situação foi muito chocante, imaginem para as duas outras pacientes? O tamanho do sofrimento daquela mulher era inenarrável. Foi chocante para o grupo e todos os demais que estavam presentes no momento do ocorrido.  Durante nossas sessões nenhuma das pacientes viam o corpo uma outra sem roupa, pois quando eu realizava a drenagem linfática era individual, eu as levava para uma salinha ao lado do tatame. Todos os presentes naquele local ficaram perplexos com aquela ocorrência, que mais parecia um pesadelo e foi impossível não cair em prantos.

Depois da ocorrência com Ana, que abandonou o tratamento,  Maria e Clara passaram a se preocupar comigo, como eu reagiria depois daquilo, era nítido que estavam preocupadas, mas ninguém falava nada e a cada sessão faziam tudo com muita alegria. Já era o final do meu compromisso universitário, Maria e Clara ao se despedirem de mim levaram bolo para festejarmos, foi um momento de muito amor e inesquecível para mim. A generosidade de Maria e Clara comigo foi tão grande, era nítido que elas de alguma forma queriam apagar aquele acontecimento desagradável com Ana.

Maria e Clara mesmo passado por todo o sofrimento que envolve o tratamento do câncer de mama, cuidavam de mim para que eu esquecesse aquele momento. Maria e Clara haviam esquecido do próprio sofrimento para se preocuparem comigo, em momento algum fiquei chateada com o comportamento de Ana, tão pouco Maria e Clara, porém para nós foi mais que um aprendizado. Acredito que todas nós estávamos passando por um teste, tanto as pacientes quanto eu.

Com o passar dos anos, já em meu consultório, pude influenciar positivamente outras mulheres que passaram pela mastectomia, cito um caso interessante de uma massoterapeuta mastectomizada que veio a mim tratar seu linfedema de membro superior. Essa paciente também atendia mulheres mastectomizadas com drenagem linfática, mas ficou tão encantada com o tratamento recebido em meu consultório que ao terminar seu tratamento comigo disse que ia cursar fisioterapia. Isso é mais do que gratificante, ser mais do que uma fisioterapeuta, ser um exemplo a ser seguido, influenciar pessoas para uma carreira maravilhosa, isso é uma dadiva e eu estava apenas no início da minha missão como fisioterapeuta. Influenciar outras pessoas me mostrou que esse é o caminho. Estou neste caminho desde então, um longo e maravilhoso caminho que só terminará em outra vida.  

Sensibilidade, percepção, entrega e profissionalismo não aprendemos em livro algum, muito menos tratar pessoas, o aprendizado vem do compartilhamento, da interação, do engajamento, mas principalmente do amor.















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